Os videntes, leitura fria, Disco Voador, Espíritos e Demônios e o Sputinik

    Você já ficou surpreendido diante de uma cartomante? Ela nunca o viu antes e lá está ela revelando segredos de sua vida, muitas das quais nem os seus parentes mais próximos sabiam. Se não aconteceu com você, com certeza você conhece alguém próximo que já foi e afirmou algo semelhante. Ah, não era cartomante, era um médium que recebe entidades não terrestres! Ok, sem problema, a idéia, digo, a técnica é a mesma.
    Você ou o seu conhecido foi vítima de um truque dos mágicos, a pouca conhecida "leitura fria" (cold reading). E o que é isso? É uma maneira de se adquirir informações de uma pessoa sem recorrer a algum documento (o "quente"), como a carteira de identidade. Em suma é um modo de lhe arrancar seu suado dinheirinho. Mas, isso só ocorre com sua conivência, ou seja, seu desejo de acreditar. Isto é, sua grande ingenuidade.
    O vidente faz uma minuciosa observação da vítima e utiliza também conhecimentos estatístico e gerais da natureza humana. Como a pessoa se veste, sua postura, modo de falar, vocabulário, idade e status aparentes. Numa rápida olhada sabe-se muito sobre a personalidade e os problemas da vítima. Observem, os olhos mostram claramente a infelicidade ou o desespero de quem sofre. Aliás, já viram alguém sem problemas procurar qualquer tipo de adivinho?
    Viram como é fácil explorar essa profissão? Não? O conhecimento de probabilidade e estatística é fundamental para o sucesso. Saber que o nome da maioria dos homens começa com "J" e o das mulheres com "A" ou "M" ajuda. Afinal, quem não tem um parente ou amigo que comece com essas letras? Querem uma aula? Assistam ao filme "Fé demais não cheira bem" com o Steve Martin.
    O vidente começa a interagir com a vítima, fala o óbvio de um modo enigmático ou interrogativo e observa cuidadosamente a reação da pessoa (a quiromante leva grande vantagem já que sente a temperatura da mão bem como a pulsação): alguém a deixa muito infeliz... E a vítima prontamente responde: é meu filho! Eu vejo que você tem alguns problemas econômicos! E quem não tem? E mais, substitua o econômico por sexual, no trabalho, no seu casamento, com seus filhos, etc, e a afirmação continua valendo para todo mundo. Afinal, quem não tem problemas?
    Assim, o grande observador começa falando sobre generalidades e com um pouco de conversa já está adivinhando detalhes íntimos da pessoa-vítima. Na verdade é a vítima quem está revelando tudo, o vidente apenas traduz a linguagem corporal para a falada (em um português nem sempre claro). Isso é feito com frases gerais (tentativas) que de acordo com o resultado se tornam mais e mais específicas, isso é conhecido como realimentação. Parece também, um modo mais sofisticado, com aquela brincadeira de criança quente-frio.
    Mas, sem dúvida, o maior aliado do vidente é a memória seletiva, ou seja, nossa memória esquece os fatos insignificantes e se lembra dos significativos. Isso nos diz que o vidente pode arriscar à vontade já que a vítima esquecerá prontamente seus prognósticos errados.
    Em um experimento, conduzido pelo desmascarador de fraudes James Randi, filmou-se um “médium” em ação. Ao final, convidou algumas das pessoas para assistirem ao vídeo. Afirmavam que o picareta havia acertado quase todas as adivinhações, não puderam acreditar no que o vídeo mostrava: apenas uma em cada catorze estava correta. Eles simplesmente esqueceram. A memória deles (a nossa também) foi capaz de esquecer treze erros para cada acerto.
    Portanto, meu crédulo leitor, antes de sair por aí se gabando de ter encontrado alguém com poderes paranormais, pense bem, você pode estar assinando o seu atestado de ingenuidade! Mas, não se preocupe, muitos desses médiuns, astrólogos, adivinhos, etc, estão em uma situação muito pior: eles não são desonestos, eles acreditam ter esse poder...
    -----------
    Disco Voador, Espíritos e Demônios
    A humanidade sempre foi atormentada por seres sobrenaturais como fantasmas, gnomos, demônios, anjos, espíritos e, agora, seres do espaço. Todas as experiências são relatos pessoais e nunca há provas “materiais”.
    Descartando aquelas pessoas que buscam sua oportunidade de fama e fortuna, ser alguém especial ou abençoado, vemos que muita gente séria acredita que tenha passado por alguma experiência semelhante. Observe-se que a maioria das religiões tem em suas fileiras pessoas graduadas, como médicos e engenheiros.
    Povos de outras épocas ou regiões alegam experiências de conteúdo semelhante, porém mudam-se as “entidades”, o que sugere que o fenômeno é humano e não sobrenatural ou desconhecido.
    Em 1992, uma pesquisa realizada com 6000 norte-americanos adultos, 2% apresentaram os “sintomas” do rapto por Seres Espaciais (acordar paralisado, flutuar, perda inexplicável do tempo). Isso significa que se fôssemos levar a sério os relatos de rapto, seriamos obrigados a crer que estamos sofrendo uma invasão maciça, já que esses números nos levam a crer em um rapto por segundo nas últimas décadas.
    Desde 1894, em Londres, é realizado o Censo Internacional de Alucinações. Até hoje, observou-se que 25% das pessoas normais experimentou, pelo menos uma vez, uma alucinação vívida, como ouvir vozes, ver imagens onde nada há, sentir aromas, ouvir músicas, ou receber uma revelação independente dos sentidos.
    Quantos não ouvem seus pais mandando fazer os deveres, aconselhando, chamando para o almoço. Por que seria estranho que o cérebro de vez em quando relembre as tais vozes? Isso pode acontecer a qualquer um sob circunstâncias normais.
    As alucinações podem aparecer sob estresse emocional, ataques epiléticos, enxaqueca, febre alta, jejum, privação de sono, isolamento e drogas alucinógenas.
    Os sonhos estão associados a um estado chamado movimento rápido dos olhos (REM), sob as pálpebras os olhos movem-se. O estado REM está associado com a excitação sexual. Experiências foram aplicadas em pessoas que são acordadas assim que o estado REM surge, enquanto membros do grupo de controle são acordados no estado não-REM. Depois de alguns dias, o grupo de controle está um pouco grogue, porém o grupo experimental (impedidos de sonhar) está sofrendo alucinações. Portanto, todos estamos sujeitos a ter alucinações.
    Somado a isso, temos como “agravante” o medo terrível da morte, a certeza do fim é aterrador. Todos desejamos a certeza da vida após a morte, assim ver espíritos satisfaz nosso desejo mais íntimo. Outro aspecto é o racionalismo que buscamos explicar nossos fracassos e tristezas não como resultado de nossa preguiça, má vontade, ou erros, mas à má sorte, espíritos (baixos, já que nós sempre somos evoluídos, claro!), demônios. E também a sensação de poder, em um mundo em que nossa liberdade é extremamente restrita e a insignificância grande, por que não acreditar que somos capazes de fazer “trabalhos” que expulsam demônios, mau-olhados e má sorte? Ou então receber espíritos, guias, ler a sorte...
    E que mensagens nos trazem os “videntes”? Nenhuma que já não saibamos! Há trinta anos atrás, espíritos ou extra-terrestres poderiam nos alertar dos problemas que agora nos afligem ou então resolver algum problema matemático ainda insolúvel, já que são superiores, deveriam estar mais adiantados. Porém, na prática, só dão mensagens de acordo com a “cultura” do mensageiro. Como, em geral, são leigos...
    Para a ciência não existe coincidência, mas uma teoria desconhecida. Como todas as leis da natureza concorrem para o surgimento da vida e vida inteligente, não deve ser coincidência tudo isso ser obra do acaso, é necessário existir uma inteligência criadora, porém não como querem certos fanáticos.
    -----------
    Do Sputinik ao disco voador
    A ignorância é um fantasma que assombra a humanidade. Dela fazem os poetas o mundo ser fantástico, mágico, tão belo que o torna irreal. Tais poetas da religião e das pseudociências levam-nos ao comportamento dos apaixonados que ao verem suas musas exuberam um misto de incontrolável alegria e medo. Dominados assim rejeitamos explicações simples de fenômenos naturais. A emoção acima da razão. Crenças recentes, erros antigos.
    Até recentemente acreditava-se em casas mal-assombradas. Hoje, sabemos que a dilatação de materiais e ventos sobre tubos e chapas geram ruídos. Somente alguém leigo de Física ousa acreditar em fantasmas.
    No passado, vinham do céu demônios e anjos, agora é a vez seres do espaço exterior povoar a mente das pessoas que têm uma imaginação fértil. E tudo começou no dia 4 de outubro de 1957, ano em que o primeiro satélite artificial, o russo Sputinik, entrou em órbita terrestre. E todos olharam para o céu de um modo diferente.
    Como temos aproximadamente cem bilhões de galáxias e cada uma cem bilhões de estrelas, é grande a chance de existir vida inteligente por aí e como a nossa. Porém, astronomicamente distantes. Ora, os extraterrestres devem ter ciência e tecnologia que abreviem distâncias! É possível, daí a ter certeza, só sendo um bom crente...
    Se assim é, tais seres não precisam abduzir nem fazer experiências com seres humanos. O problema é que os abduzidos de até dez anos atrás não conheciam engenharia genética, clonagem, útero artificial... Mas não se preocupem, daqui alguns anos os alienígenas estarão utilizando tais técnicas, segundos seus videntes.
    Não nos esqueçamos que todos estamos sujeitos a ter alucinações. E mais até, estamos sujeitos a ter “falsas memórias”, que nos parecem reais quando na verdade não são. Terapeutas que tratam de abusos sexuais e abdução alienígena tem algo em comum: gastam meses encorajando as vítimas a lembrarem os abusos.
    Entre milhares de casos, chama a atenção o de um delegado de Nova York, honesto e religioso. Um certo dia, após uma reunião muito emotiva numa religião fundamentalista, uma de suas filhas “lembrou-se” de ser sido abusada pelo pai.
    Depois de algumas sessões com um psicoterapeuta, empregando hipnose, o infeliz delegado começou a lembrar-se de abusar da filhas. Sessões com as filhas e esposa acabou envolvendo diversos cidadãos honrados em orgias satânicas. Então, um pesquisador foi chamado para realizar experimentos controlados com a família. E tais absurdos foram esclarecidos, embora tarde para retirar o infeliz pai da cadeia.
    Outro caso, ocorrido na Pensilvânia, uma adolescente, encorajada pelo professor e assistente social, acusou seu pai de ter abusado sexualmente dela. Diante de um pesquisador sério, ela lembrou-se ainda de ter tido três filhos, mortos pelos pais e ter visto sua avó voar numa vassoura. Este pai foi mais afortunado, processou a clínica responsável e ganhou meio milhão de dólares.
    Sobre mais de 12.000 casos de abuso sexual envolvendo satanismo no FBI, nem um único mostrou-se consistente. Ou seja, não se deve confiar plenamente na memória nem em terapeutas amadores. E se abusos inexistentes são “lembrados” por pais e filhas, o que diremos dos que entram em contato com seres do espaço?
    Relatos pessoais não são prova. Povos diferentes têm alucinações semelhantes, sujeitas a diferenças de conteúdo cultural. Ou seja, é um fenômeno humano. E, o que é pior, desajustados emocionalmente tornam-se profetas (videntes) e guias.
    Não são os leigos que cometem enganos. No começo da década de 60, astrônomos soviéticos convocaram a imprensa em Moscou para anunciar o que seria a descoberta do século: a descoberta de uma fonte emissora poderosa de rádio em um distante objeto, chamado CTA-102, e que variava regularmente, como uma rádio-bússola. Até então, nenhuma fonte periódica havia sido observada no espaço. Queriam os russos ter descoberto uma poderosa civilização extraterrestre. Verificou-se que eles descobriram o “quasar” e só.
    Em 1967, cientistas ingleses descobriram uma fonte intensa de rádio que ligava e desligava com enorme precisão. Mais precavidos que os colegas russos, procuraram uma explicação menos fantástica, e haviam descoberto o “pulsar”.
    A vida é assim, não precisamos de sorte ou azar, de medos, racionalismos, espíritos, demônios, e videntes, precisamos sim de uma visão simples e livre de qualquer superstição.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Clair Patterson e a obsessiva medida do chumbo

Feriados e violência

Família e vizinhança afetam o adolescente